A INCLUSÃO ESCOLAR E AS ESCOLAS WALDORF

Nas últimas cinco décadas, a humanidade passou por transformações consideráveis em relação à consciência a respeito das diferentes condições humanas, sendo uma delas a questão das deficiências. Mais recentemente, passou-se a considerar igualmente importantes alguns temas como vulnerabilidade social, distúrbios de comportamento e outras questões. Ou seja, a inclusão se ampliou para diversos outros aspectos. À medida que passos efetivos são dados, pode-se descobrir que a inclusão, em verdade, vem abrir espaços e possibilidades que podem beneficiar a todos.

Em seu Curso de Pedagogia Curativa (2a ed. São Paulo: FETTS, 2019), Rudolf Steiner traz a imagem de seres humanos com distintos impedimentos nas capacidades da alma (expressar-se/consciência, relacionar-se e agir com consciência), ocasionados por uma relação irregular entre as instâncias que constituem o ser humano: os corpos físico, vital, anímico e o EU. Steiner revela que a individualidade, como ser espiritual (EU), está sempre preservada. E é justamente esta tarefa que cabe aos professores e terapeutas, imbuídos de genuíno interesse, dedicação e estreito acompanhamento desses destinos: possibilitar que eles, apesar das barreiras, possam dar passos para seu desenvolvimento na Terra. A Pedagogia Curativa foi desenvolvida originalmente para o trabalho com crianças, e mais tarde, ainda na Europa, foi ampliado como Terapia Social para jovens, adultos e idosos.

Bem recentemente na história da humanidade, o conceito "inclusão" surgiu mais fortemente nos anos 1990. Quando se pensa em "inclusão escolar", trata-se, em verdade, de um desafio tanto individual como coletivo; e ao olharmos o ser humano do ponto de vista da Antroposofia, surge a pergunta: como podemos apoiar um contínuo desenvolvimento dos seres humanos que, nos dias de hoje, apresentam desafios desde a tenra infância até a fase escolar? Como atender suas necessidades específicas? Rudolf Steiner propõe a diversidade no âmbito escolar; neste aspecto, deve-se considerar que também as escolas passaram por diferentes fases, e poderíamos dizer que, de uma atuação um tanto "intuitiva" no passado – em que muitas vezes possíveis encaminhamentos ficavam a cargo do professor de classe –, as escolas, de maneira geral, têm buscado diferentes meios para atender e promover desenvolvimento para todos os alunos, cada um em sua especificidade.

Além de suas próprias dificuldades, um aluno pode encontrar outros desafios quando o próprio ambiente escolar também oferece obstáculos, ou seja, quando a escola não busca alternativas para as necessidades específicas. Na prática, temos observado que crianças do jardim de infância, até aproximadamente o 4º ano do ensino fundamental, parecem enfrentar menos desafios (em que sentido?) do que alunos do 5º ano em diante. Os métodos de ensino nas Escolas Waldorf são bastante lúdicos, e o aprender acontece de forma artística, poética e diversificada, o que facilita o aprendizado e a inserção do aluno, ocasionando menos diferenciação na classe. A partir do 5º ano do ensino fundamental, inclusive na Pedagogia Waldorf, há um aumento de conteúdos que, ademais, tendem ao plano abstrato e se tornam menos "palpáveis"; além disso, com o avanço dos anos eles se incrementam mais ainda e cresce o volume de trabalho.

O aluno com dificuldades, independentemente da questão apresentada acima, beneficia-se muito da diversidade de procedimentos e métodos. Quanto maior a capacidade do professor em observar o aluno fenomenologicamente e conseguir olhar além do método de ensino, maiores benefícios ele pode promover, não somente para o aluno com necessidades de apoio, mas também para outros alunos. Todas as classes em geral, Para uma classe com tem uma diversificação de capacidades, essa convivência pode ensejar ricas experiências nos processos de aprendizagem e nas relações sociais. Entretanto, Isto nem sempre é facilmente compreendido pelo grupo ou comunidade escolar – é um desafio; e em alguns momentos os professores ainda precisam tratar de conflitos, mudanças de rota, conversas com as famílias, acordos, etc.

Hoje em dia está claro que não somente o indivíduo com uma deficiência física, sensória ou intelectual – e, portanto, com uma necessidade especial – pertence à categoria ligada à "inclusão". Cada vez mais surgem comportamentos ou necessidades que exigem maior atenção e cuidados, sejam psíquicos, emocionais, alérgicos ou outros. E, olhando-se mais profundamente para estas questões, pode-se supor que "todos os seres humanos são diferentes" e, por algum motivo, já necessitam ou podem vir a necessitar de algum tipo de apoio, temporário ou permanente; ou seja, todos nós temos ou poderemos vir a ter necessidades específicas durante a vida. 

Partindo desse olhar ampliado das inúmeras possibilidades de necessidades de apoio, a inclusão escolar tem muitos itens a cumprir na estrutura física da escola e em suas relações humanas. É imprescindível fazer adaptações na estrutura física da escola, possibilitando a circulação com segurança. A instrução junto à equipe de administração, limpeza, manutenção e outros é de suma importância, pois todos eles interagem diretamente com os alunos no dia a dia. Promover oportunidades de esclarecimento e discussão sobre o tema das "diferenças" com a comunidade escolar pode facilitar que as famílias, de maneira geral, percebam as inúmeras possibilidades existentes em outros alunos e nos aprendizados sociais.

Além disso, a criação de um grupo de apoio pedagógico-terapêutico dentro da escola pode ter início com encontros entre professores, funcionários e familiares para estudos, levantamento de necessidades e discussões, a fim de encontrar possibilidades de intervenções. Evoluindo e ganhando força, esses grupos podem transformar-se em núcleos compostos por psicólogo escolar, médico escolar, professores de apoio especializados, acompanhantes terapeutas e estagiários, e/ou uma assessoria esporádica externa. Percorrido todo este caminho, aí sim, pode-se falar em inclusão no âmbito pedagógico! 

No ambiente da sala de aula, por exemplo, há diversas adaptações que podem ser feitas, a fim de atender os variados estilos e ritmos de aprendizagem: desde a quantidade de tarefas, as adaptações considerando as diferentes vias de acesso de cada aluno (visual, auditiva e tátil), até a disposição dos lugares na sala, ou mesmo o uso de medidas terapêuticas de apoio; são vários os recursos pedagógicos que devem ser considerados no processo de ensino/aprendizagem.  Além disso, um ambiente organizado e sem poluição visual ajudará na concentração dos estudantes. 

As variadas disciplinas propostas pela Pedagogia Waldorf, como trabalhos manuais, artes, músicas, eurritmia, entre outras, podem parecer um desafio extra nos processos de atenção específica. Contudo, tal gama de atividades se torna justamente um aspecto facilitador, pois acolhe as diferenças, uma vez que explora diversas habilidades e oportunidades para os alunos envolvidos.

Ao dar atenção a alunos com necessidades específicas, quanto menos diferenciado for o trabalho do professor no âmbito social e afetivo em relação aos demais, melhor será o resultado. Do ponto de vista cognitivo, é fundamental que seja traçado um plano de trabalho em comum acordo com a família, bem como estabelecer os objetivos educacionais para o aluno em questão. Para isto, contar com um grupo de apoio pedagógico-terapêutico da escola para as adequações das atividades será de grande valia. Estando isto definido, o professor pode então avaliar melhor o que é necessário e factível para o desenvolvimento do aluno, tendo como parâmetro a classe à qual este pertence.

As capacitações, cursos ou estudos sobre diferentes métodos e abordagens, bem como os aspectos antropológicos de cada idade – além do recebimento de tutorias em Pedagogia Waldorf e em Educação Especial ou Terapêutica – são importantes para o professor. No livro Academias Republicanas (2a ed. São Paulo: Antroposófica/FEWB, 2018), que trata do funcionamento da escola Waldorf, o autor Francis Gladstone afirma (pág. 16) que "o colegiado precisa tornar-se um seminário ininterrupto de treinamento de professores [...]." A troca com o colegiado de professores, com exemplos práticos de cada um nas diversas classes da escola, muitas vezes trazem bons caminhos pedagógicos e, na maioria das vezes, muitas questões se resolvem neste fórum, e não só nas reuniões pedagógicas, promovendo o fortalecimento e o empoderamento do grupo/equipe docente. Por fim, o trabalho em equipe, envolvendo escola, família e os respectivos terapeutas externos e médicos, é essencial para se alcançar um entendimento mais aprofundado a respeito dos alunos em questão; além disso, é um aspecto importante para o alinhamento das condutas e estratégias no processo de aprendizagem e aproveitamento escolar.

Paula Cardoso Mourão – Federação de Educação Terapêutica e consultora para inclusão escolar
Natália Bottura – Escola Waldorf Novalis e Associação Caminho de Mateus
Marina Siracusa – Escola Waldorf Rudolf Steiner
Daniela Lacerda – Escola Associativa Waldorf Veredas, consultora para inclusão escolar e para processos baseados na Economia Viva.

Para saber mais, acesse: www.pedagogiacurativa.org.br GRUPO DE APOIOS PEDAGÓGICO-TERAPÊUTICOS NAS ESCOLAS WALDORF
Este grupo reúne-se a cada semestre para intercâmbio de experiências e ideias e mantém contato por meio de um grupo de WhastApp.

GRUPO DE APOIO PEDAGÓGICO-TERAPÊUTICO NAS ESCOLAS WALDORF

Formado durante o Congresso de Educação Terapêutica de julho de 2015 em SP por iniciativa da Federação de Educação Terapêutica e Terapia Social, um grupo de professores e terapeutas reuniu-se uma vez em 2016 e passou a encontrar-se semestralmente desde 2017. Além dos temas comuns, a ideia é proporcionar que os profissionais possam conhecer diferentes escolas e instituições, compartilhar e ampliar suas experiências e universos sobre as questões inerentes à inclusão e o desenvolvimento e acompanhamento de alunos.